segunda-feira, 3 de junho de 2013

A Justiça e o novo projeto para a Marina da Glória: por que ignorar decisões judiciais?

Seria possível que o IPHAN não informe ao seu Conselho Consultivo todos os processos judiciais e seus efeitos que tramitam na Justiça Federal sobre a área da Marina da Glória, no Parque do Flamengo?

De fato, existem, em relação à ocupação e administração da área da Marina da Glória por uma empresa privada (EBTE, MGX, REX), no Parque do Flamengo, várias ações judiciais, processos e inquéritos no Ministério Público Federal a respeito do assunto. Conhecer o debate judicial e as determinações que afetam a situação jurídica desse bem público é o mínimo que se espera para uma decisão responsável sobre essa questão que mobiliza a sociedade carioca.

2. Dos processos judiciais que tramitam na Justiça Federal destacamos três que, tendo começado há muitos anos, já receberam sentenças, decisões judiciais que, em nosso entender, afetam diretamente qualquer decisão administrativa de autorização de obra e construção naquela área, especialmente pelo IPHAN, que é parte nestes processos. São eles:

2.a)  Proc. EBTE x IPHAN: início = 1999 da 11ª Vara Federal, teve a decisão de 1º grau confirmada em 2009 pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal. (Proc.0024597-98.1999.4.02.5101 Número antigo: 99.0024597-0). Juiz de 1º Grau, Dr.Fábio César Oliveira. Magistrado Relator de 2º grau: Dr. Marcelo Pereira.

Nesse processo foi discutido se era legal e legítimo o Conselho Consultivo do IPHAN, ao apreciar pedido de edificação na área da Marina da Glória, integrante do Parque do Flamengo, ter reafirmado e decidido, em função do conteúdo do tombamento do projeto, que ali só se poderia construir o que havia sido previsto no projeto original do Parque, sendo todo o mais non aedificandi.

Tanto o Juízo de 1º quanto de 2º graus confirmaram o legalidade e legitimidade de o Conselho Consultivo do IPHAN ter decidido que o Parque, inclusive a Marina da Glória que o integra, é non aedificandi, com exceção do que estiver previsto no seu projeto original.

A decisão de segundo grau, que ainda não teve a sua execução cumprida, provavelmente em função do roubo do caminhão que levava o processo judicial para o STJ, em Brasília, determinou: a restituição da situação original da Marina, com reconstituição de todas as obras irregulares lá executadas: obras de vias na beira mar, destruição dos jardins suspensos e colocações de toldos altos no prédio de Amaro Machado, destruição de outros jardins, ampliação de estacionamentos, cortes de árvores, tentativa de construção de garagem náutica dentro da Baía da Guanabara.

2.b Ação Popular: Eunice Pontes x Município do Rio de Janeiro, União Federal. Proc.0015503-14.2008.4.02.5101 Número antigo: 2008.51.01.015503-7 6002 - AÇÃO POPULAR. Juiz: Dr. Rodrigo Gaspar de Melo. 28ª Vara Federal. Início 2008, sentença 2012

A presente ação popular teve como base o pedido de desocupação de área pública do Parque, estendendo com um tapume a área originária da Marina da Glória para englobar também a área do Bosque, área de piquenique e prainha, com devastação de sua vegetação.

A decisão judicial declarou ilegal aquela ocupação e determinou a retirada do muro que impedia o acesso da população àquela área pública.

"Julgo procedente o pedido para determinar que o Município do Rio de Janeiro ¿ por si ou por empresa contratada não realize ou, caso iniciada, que paralise imediatamente qualquer obra sobre as áreas do Bosque e da Prainha no Parque do Flamengo, estabelecendo multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para o caso de descumprimento da obrigação. A ordem alcança a proibição de retirada de quaisquer árvores, arbustos ou equipamentos instalados no Bosque ou na Prainha, sem prejuízo da continuidade dos serviços de jardinagem, manutenção e limpeza urbana."

2.c   Proc Ação Popular de Antonio Sérgio Macedo e outros x União Federal, Município do Rio de Janeiro, EBTE, Prefeitos LP Conde, e César Maia. Início da ação judicial: 1999. Publicação da sentença: 24 de maio de 2013. Juiz Federal: Dr. Vigdor Teitel. Proc.Processo nº 0059982-10.1999.4.02.5101 (99.0059982-9)

Nesta ação popular os autores argumentam a ilegalidade do Contrato de Concessão de uso das instalações da área da Marina da Glória do Município para a EBTE.

Com os fundamentos deduzidos pelo Juízo da 11ª Vara Federal, a decisão de 1ª instância é a de "desconstituir o Contrato nº 1.713/96, de concessão do uso das instalações, da exploração dos serviços com finalidade comercial, da gestão administrativa e da revitalização do Complexo Marina da Glória, firmado entre o Município do Rio de Janeiro e a EBTE – Empresa Brasileira de Terraplanagem e Engenharia S.A, cessando seus efeitos a partir de sua celebração".

Nos fundamentos da sentença que destaca-se: o desvirtuamento náutico do local em face das atividades comerciais ali desenvolvidas, e a base da cessão da área pela União ao Município, para a realização do projeto Marina-Rio, de autoria do arquiteto Amaro Machado, que integra tanto os autos da ação judicial, quanto o processo administrativo que justifica a cessão junto ao SPU (1984).

Há quem indague se a nova empresa administradora do local (MGX/REX Imobiliária), não tendo integrado o feito, seria atingida pelos efeitos deste processo.

Entendemos que sim, já que o resultado da ação judicial foi, como o de qualquer ação popular o da "anulação do Contrato nº 1.713/96 operará efeitos retroativos, cessando os seus efeitos a partir de sua celebração"

E, como qualquer ação popular, por força do art.18 da lei 4714/65, seus efeitos se operam "erga omnis", ou seja, em relação a todos - à sociedade em geral -, pois os interesses e direitos tratados no processo de ação popular, como é o caso, são difusos, e não próprios (individuais).

Portanto, como poderá a Administração Pública Federal/IPHAN continuar examinando um processo de autorização de construção de um contrato de uso de instalação declarado nulo por sentença de 1ª instância pela Justiça Federal? Projeto de quem não teria mais contrato, caso se confirme a sentença em 2º grau?  Uma aprovação temerária, contra o interesse público já reconhecido em 1º grau?

Quantas ações judiciais, populares e civis públicas, serão necessárias para confirmar um direito que é de todos?  Os ouvidos são moucos?

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